terça-feira, 18 março 2014 16:16

ADSE: Vamos debater a questão

Foto Paulete Matos

Imagine-se o que seria o SNS ter de suportar os cuidados de saúde de mais de um milhão e trezentos mil portugueses. Artigo de Nuno Alves.

Num recente editorial do Diário Económico(1), depois de diversas considerações sobre a ADSE, o/a editorialista pergunta “Porque é que todos os contribuintes têm de continuar a pagar para que um subsistema de saúde que abrange apenas uma parte dos funcionários públicos continue a funcionar?”, concluindo com esta questão: “Porque razão temos todos de continuar a pagar para que a ADSE, que é uma duplicação em relação ao SNS, exista?”

Estas perguntas, aparentemente ingénuas, fariam todo o sentido se a realidade fosse aquela que é propalada quer pelo Governo quer pelos comentadores usuais do regime. Sucede que esta história está mal contada, pelo que propomos contá-la de uma forma bastante simples, recorrendo apenas aos dados estatísticos disponíveis. 

Eis pois três ideias incontestáveis, mas inconvenientes para o discurso oficial e, por isso mesmo, sempre omitidas no debate público desta problemática:

1.ª ideia: 

A ADSE é um subsistema substitutivo do SNS

O sistema de saúde português é composto por 3 sistemas distintos: 

- o Serviço Nacional de Saúde (SNS);

- os regimes de seguro social de saúde especiais (subsistemas de saúde);

- os seguros de saúde privados. 

O SNS é um serviço público, universal e tendencialmente gratuito, financiado pelos impostos, taxas moderadoras e pela contribuição dos subsistemas de saúde substitutivos. Para além do SNS, 25% da população portuguesa é ainda coberta por subsistemas de saúde, 10% por seguros privados e cerca de 7 % por fundos mútuos.

Quanto aos subsistemas de saúde, dividem-se em públicos e privados, podendo ser substitutivos ou complementares do SNS. Os subsistemas públicos (ADSE, ADM e SAD`s) são substitutivos, uma vez que assumem responsabilidades exclusivas pelo pagamento aos serviços e estabelecimentos do SNS dos cuidados de saúde prestados aos seus beneficiários.  

Nesta medida se pode afirmar que a ADSE substitui o SNS. 

2.ª ideia: 

A ADSE é financiada em 63% pelos trabalhadores e aposentados e em 37% pelas entidades empregadoras públicas. 

Enquanto subsistema de saúde dos funcionários e aposentados da Administração Pública, a ADSE possuía no ano de 2013, de acordo com o seu Plano de Atividades (2), um total de 1.332.666 beneficiários, sendo a seguinte a evolução da repartição do seu financiamento:

 


Gráfico 1. Evolução da repartição do financiamento da ADSE:

  Gráfico 1

Fonte: Plano de Atividades ADSE 2013. 


E como se pode constatar do quadro abaixo, mesmo antes da última subida dos descontos de 2,5% para 3,5%, mais de metade do seu financiamento era já assegurado pelos trabalhadores e aposentados (63%, o que equivale a € 232 milhões), cabendo às entidades empregadoras públicas apenas uma parcela residual do esforço (37%, equivalente a € 136 milhões). Da análise do mesmo quadro verifica-se que desde o ano de 2012 o Orçamento de Estado deixou de fazer quaisquer transferências para a ADSE. 


Quadro 1. Principais fontes de receita da ADSE:

Principais rúbricas

2010

2011

2012

2013

Contribuições das entidades empregadoras:

- ADSE 

- SNS

- Desconto obriga-tório 

 

 

 

214,9

 

 236,0

 

221,5

 

211,6

 

226,4

 

106,0

106,0

232,7

Reembolsos

79,9

66,7

51,7

30,0

Capitalizações

4,6

0,8

:

:

Quotizações

0,5

0,1

:

:

Outras

2,1

0,0

:

:

 

 

 

 

 

Receitas Próprias

301,9

525,1

489,6

474,6

Transferência OE

260,0

34,4

-

-

 

TOTAL DO FINANCIAMENTO

 

 

561,9

559,5

489,6

474,6

Fonte: Previsão do Plano de Atividades para 2013.


Constata-se ainda que a comparticipação das entidades públicas vai decrescendo, ano após ano, ao passo que os descontos dos trabalhadores e pensionistas não pararam de aumentar, e de uma forma verdadeiramente vertiginosa desde 2006. 

O aumento das contribuições de 1,5% (valor que ainda vigorava no 1.º semestre de 2013), para os 3,5% - cfr. o projeto de Decreto-Lei n.º 10/2014, que altera o Decreto-Lei n.º 118/83, de 25.02 -, significa uma redução adicional de rendimento de trabalhadores e aposentados da Função Pública em mais 309 milhões € (3). 

 


Gráfico 2. Evolução dos descontos na ADSE:

Gráfico 2

Fonte: Previsão do Plano de Atividades para 2013.


3.ª ideia: 

A ADSE é que financia o OE, não o contrário

Sucede que na 1.ª alteração ao OE 2014 (proposta de Lei n.º 193/XII)(4), apresentada no parlamento, o mesmo governo que alega aos quatro ventos a insustentabilidade da ADSE, propõe-se transferir 50% da receita das contribuições das entidades empregadoras diretamente para o Orçamento de Estado (artigo 2.º). Desta forma, é a ADSE que financia o orçamento do Estado, não o contrário. Contornando princípios e regras basilares, defraudando deliberada e reiteradamente ao espírito da lei, o governo desvia milhões do subsistema da ADSE para financiar o orçamento. É pois nesta parte que a história está a ser particularmente desvirtuada.

Do que ficou dito resultam provadas as seguintes evidências:

1.ª evidência. A despesa da ADSE não acresce à despesa do SNS, antes substitui o esforço de financiamento do Ministério da Saúde, com a vantagem adicional de aliviar o recurso ao seu financiamento através de receitas fiscais.

2.ª evidência. A contribuição das entidades empregadoras públicas (2,5% da massa salarial, que desde agosto de 2013 diminuiu para 1,25%), veio reforçar o auto financiamento deste subsistema, deixando a ADSE de receber, desde 2012, quaisquer transferências diretas do OE. 

3.ª evidência. Pelo contrário, a ADSE é que financia o orçamento, conforme se prevê na proposta de lei n.º 193/XII (50% das receitas das contribuições das entidades empregadoras vão para o Estado).

4.ª evidência. As receitas próprias da ADSE (contribuições das entidades empregadoras, descontos dos trabalhadores e aposentados) deverão igualar, e pelo 2.º ano consecutivo, o montante total do seu financiamento: € 475 milhões. Ao contrário do que o governo pretende fazer crer na opinião pública, este subsistema é perfeitamente autofinanciável.

Mais de 1.300.000 milhões de portugueses possuem os seus cuidados de saúde autofinanciados (em 63%), uma situação que permite não só aliviar o SNS como ainda redirecionar os meios já de si insuficientes, para os restantes portugueses. Imagine-se o que seria o SNS ter de suportar os cuidados de saúde de mais de um milhão e trezentos mil portugueses. O que implicaria em termos de despesa adicional: aumento do número de profissionais de saúde, aumento do montante do financiamento em medicamentos, em exames, em consultas, na diminuição das listas de espera, etc.

Degradar a ADSE significa como se viu, sempre e em qualquer caso, degradar o SNS. E isto ou se trata de cegueira ou é puro irrealismo.

 


Nuno Alves. Técnico superior e delegado sindical.

Notas:

1 -  A ADSE e os impostos dos privados (Diário Económico, 10/02/2014). 

2 -  ADSE. Plano de Atividades de 2013. 

3 - O aumento de 133% nos descontos para a ADSE, ADM e SAD, o agravamento da degradação do SNS, e o aumento do mercado para os privados (Eugénio Rosa, 19/01/2014). 

4 - Disponível em http://www.parlamento.pt/OrcamentoEstado/Paginas/oe.aspx 

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