A partir dos anos noventa surgiram na Europa agrupamentos políticos formados por dissidentes de partidos comunistas, correntes de esquerda dos partidos social-democratas e grupos de ativistas da esquerda radical. Criou-se, assim, um novo espaço partidário. Apesar da sua diversidade inicial, da Aliança Verde Vermelha na Dinamarca, ao Die Linke na Alemanha, passando pelo Podemos no Estado Espanhol, ou mesmo pelo Bloco de Esquerda em Portugal, todos pretenderam aproveitar a crise da esquerda tradicional, na sequência da queda do Muro de Berlim e da guinada neoliberal dos partidos social-democratas. Passadas mais de duas décadas, qual o futuro e que balanço fazer da experiência desta nova corrente política determinada em crescer, reconfigurar a esquerda e implantar uma nova orientação?
A evolução do sistema partidário, por exemplo, ajuda a tornar evidentes algumas tendências. Sondagens recentes na Alemanha dão conta que o Die Linke baixa de 5% para 4% nas intenções de voto, no contexto em que a coligação no poder entre o SPD, Verdes e Liberais não vai além dos 37%, enquanto a CDU/CSU e a extrema-direita da AfD lideram. Por sua vez, a situação francesa revela a fragmentação entre a coligação de esquerda NUPES de Jean-Luc Mélenchon, a extrema-direita de Marine Le Pen e os apoiantes do Presidente da República Emmanuel Macron, com vantagem para os dois primeiros agrupamentos. Resumidamente, as dinâmicas de Die Linke e France Insoumisse (integrada no NUPES) são opostas, o que não se pode dissociar da persistência do SPD como grande partido de massas, em contraste com a quase extinção do Partido Socialista Francês.
A progressão de Mélenchon na disputa com Le Pen e Macron suscita esperanças na esquerda europeia quanto à possibilidade de uma força da nova esquerda chegar ao poder e promover uma política de transformação social promissora. Mobilizações recentes e outras anunciadas favorecem esse tipo de antecipação. Porém, há uma especificidade francesa. Mélenchon beneficiou da desagregação do Partido Socialista Francês (e do próprio Partido Comunista) na sequência da austeridade de François Hollande. É algo semelhante ao sucedido a Aléxis Tsipras e ao Syrisa, quando este tirou partido da austeridade selvagem seguida pelo PASOK no governo para se transformar num partido de massas, captando a simpatia da maioria dos apoiantes da social-democracia grega. Com uma diferença importante: foi Macron quem começou por ganhar a maioria, incluindo nela muitos socialistas.
Isto mostra a relevância para a nova esquerda do enfraquecimento dos partidos social-democratas para conquistar uma maioria social. Dir-se-á, com razão, que esta constatação é consensual. Porém, passadas aproximadamente três décadas, é preciso perceber por que razão esse objetivo não foi atingido. Na verdade, a situação francesa é excecional, nos restantes países europeus a regra está mais próxima do que se passa na Alemanha. E, sobretudo, entender como algumas circunstâncias – nomeadamente, o constrangimento das regras da União Europeia e a derrota histórica do Syrisa, a deterioração da relação de forças no campo social e político acompanhada pelo ascenso da extrema-direita, ou a participação do Podemos no governo do PSOE, ou mesmo a Geringonça em Portugal - condicionam no futuro a margem de manobra desta nova esquerda.
Uma explicação possível poderá estar na própria natureza destes partidos. A nova esquerda é, sobretudo, uma força de pressão sobre a social-democracia, não de transformação revolucionária da sociedade. Em geral, a intervenção que promovem nos movimentos sociais destina-se a ganhar peso eleitoral para alargar a margem de negociação e “puxar” a agenda da social-democracia para a esquerda. Por vezes, as suas reivindicações são retiradas dos programas dos partidos social-democratas, abandonadas por força dos compromissos destes com os interesses dominantes. Com este tipo de orientação é possível aproveitar algumas conjunturas favoráveis para alargar a representação eleitoral, mas será possível construir uma alternativa diferenciada para o longo prazo?
Esta ausência de ambição reflete-se na própria ideia de “euroceticismo”, que costuma ser atribuída a estes partidos. A humilhação do Syrisa no confronto com a Comissão Europeia a propósito da gestão da dívida soberana e da austeridade, acabou por revelar a sua impreparação para lidar com uma tensão que estará presente sempre que um partido no poder queira adotar uma política de esquerda consequente. Será por acaso que isto aconteceu, ou, mais uma vez, tratou-se de um desfecho previsível à luz da natureza das formações partidárias da nova esquerda que estamos a analisar? A resposta a esta questão é, porventura, aquilo que poderá ajudar a perceber qual o futuro, ou a falta dele, desta esquerda que pretende ser alternativa e superar erros do passado.